Sons of Anarchy é uma daquelas séries que o público não vê chegando, que quase passa despercebida, afinal não contou com muita publicidade.
Muitos seriados e tantos outros filmes fazem da violência o seu fio narrativo ou o seu pano de fundo, mas poucos conseguiram demonstrar de maneira tão didática e clara como o ciclo da violência se perpetua, como uma cobra que come o próprio rabo, de forma que fim e começo, causa e consequência se tornam um só. E esse é o grande mérito de Sons of Anarchy.
A história de Samcro, como o grupo é chamado, faz da vida de Jax Teller o arco narrativo para contar a trajetória da gangue de motoqueiros – ou MC – em um dos seus momentos mais relevantes. Jax, protagonizado com maestria por Charlie Hunan, faz o papel da sua vida, sendo o filho de um dos fundadores, então falecido. Outro fundador, Clay, junta a sua mãe, Gemma, em uma daquelas que se mostra como uma das muitas famílias disfuncionais do enredo, que leva à percepção final que o MC é a verdadeira família de todos eles.
Jax é um motoqueiro que vive o MC da forma que seu pai, John, concebia: um clube de amantes da vida sobre duas rodas, que faziam bicos à margem da Lei para se manter, o que ocasionalmente provocava alguma confusão de maior ou menor tamanho, sem contudo serem grandes foras da lei. Tudo muda quando Jax encontra as memórias de John, que descrevem como o clube está se deteriorando em princípios e se metendo com o que não deveria. Isso lança Jax em uma jornada na busca por respostas, que o coloca em rota de colisão com membros mais antigos e até com sua própria família.
Se por um lado Joseph Garder popularizou a jornada do herói, Jax trilha o caminho oposto, no qual compromete não somente aquilo em que acredita como também arrasta junto outros que lutavam para sair como seu melhor amigo Opie, seu amor Tara, e todos com quem se importa. Ainda que não fosse um grande exemplo de correção, Jax lembra o que ocorre com Mr. White, e porque não com Dom Corleone de Paccino, que viviam à margem da violência mas que acabam atraídos por ela para nunca mais se desvencilhar. O que liga esses personagens tão diferentes é que eles lançam mão da violência como um recurso e não um fim em si mesmo, motivados por algo justo ou justificável, até o momento no qual o motivo se torna menor, obsoleto ou sem sentido. E tudo que resta é a violência, nua e crua.
E a violência é o tema e personagem central quando a trama se aprofunda, tanto a violência quanto a psicológica, seja explorando os antigos membros presos (Otto, interpretado pelo diretor e roteirista Kurt Sutter, que antes havia passado por the shield ) como pelas Old Ladies, apelido meio carinhoso meio dominador que recebem as esposas e companheiras dos membros do clube e dos quais se destaca a rainha dos motoqueiros, Gemma, uma tragédia grega de uma complexidade digna dos melhores personagens e que provoca amor e ódio (e tantas outras emoções) nas mesmas proporções.
Poucos personagens são rasos ou óbvios, e se assim parecem é por falta de tempo de tela ou para não adensar demais a trama. Sempre há um motivo, sempre há um porquê, por mais ignóbil que seja. E isso vale para amigos, inimigos, aliados e nemesis, seja qual o papel cada um ocupe em determinado momento.
A inteligência e o brilhantismo de Jax crescem à medida que caem seus pudores e limites morais e essa transformação do personagem fica muito bem caracterizada e traz um dos melhores momentos da série, momentos esses sempre pautados por uma misteriosa personagem que aparece antes de um grande evento.
Muito bem roteirizada, a história é contada sem excesso nem falta, emocionando com seus belos personagens e suas humanas tragédias, tudo conduzindo para um final perfeitamente construído e dolorosamente inescapável, momento ornado de poética beleza. E para os fans, além do spin off da gangue rival, fica a esperança de ver a formação do grupo em um necessário prequel. E não é porque gostos violentos têm fins violentos que SoA precisa acabar, apesar da garantia de viver na memória dos fans.