Pantera Negra é um divisor de águas

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Apesar da alta expectativa, o filme do Pantera Negra surpreende dentro e fora das telas.

O cinema, assim como a literatura e outras artes, sempre foi elitista. Citando exemplos pátrios, gênios como Machado de Assis e Aleijadinho seriam estrelas de primeira grandeza se nascidos nos países certos, e com a cor certa. Justamente por isso, a estreia de Pantera Negra causava tanta expectativa: um filme de um herói negro, criado em referência a um movimento de empoderamento dos negros americanos (não por acaso a cidade de Oakland, berço do movimento dos panteras negras, é onde o filme começa), no meio do continente Africano, dirigido por um negro e com o elenco principal quase inteiramente negro seria rejeitada pela elite branca consumidora dos filmes da Marvel? Ao bater a renda de Capitão América, o primeiro vingador (com um enredo de dilema ariano), e Vingadores em seu fim de semana de estreia dos Estados Unidos e já estar próximo da marca de 500 milhões de dólares quando este artigo foi escrito é prova da força de um filme que superou barreiras. E por quê?

Simples. O diretor Ryan Coogler (Creed) ousou, e muito. Ao invés de mostrar a África pobre, desnutrida e vitimizada – destituída de suas riquezas, apresenta uma deslumbrante nação Africana que triunfou graças a um poderoso minério (um dos muitos descobertos lá), avançando tecnologicamente além de qualquer nação ocidental, misturando suas tecnologias de ponta com um grande respeito às suas tradições tribais e primitivas. Causa a impressão de sincretismo ver as tribos pintadas e com trajes de guerra brigando com armas sônicas. Esse esplendor é bem retratado no filme, e por momentos senti a mesma emoção que Rei Leão me causou tantos anos atrás. Isso porque temos a passagem do manto do Rei, o conselheiro, a família amorosa e o menino que é treinado para substituir o pai. Em determinado momento é quase possível ouvir a voz de Mufasa dizendo: “T´Challa, se lembre quem você é”.

Monarca e herói, T´Challa, em bela perfomance de Chadwick Boseman, precisa decidir quem ele será e o que fará com o reino de Wakanda, se manterá ele escondido ou se abrirá para o mundo sua ciência e tecnologia. E esse enredo conversa de forma natural com o surgimento de seu nêmesis, o excelente Michael B. Jordan (mais uma prova de como o reboot de Quarteto Fantástico foi péssimo), cuja vilania está principalmente alicerçada no fato que ele quer que Wakanda use suas armas para ajudar os negros oprimidos do mundo, emulando assim um discurso de quase sessenta anos atrás entre Marther Luther King e Malcom X, de forma extremamente atual e inteligente. Finalmente a Marvel conseguiu produzir mais um opositor de primeira grandeza nos cinemas. E essa nem de longe é a única referência política, existe uma “homenagem” a Trump no final do filme. E o elenco de apoio está excelente: a majestosa Danai Gurira mostra a força feminina sem precisar de feminismo, rivalizando em todos quesitos com a incensada Gal Gadot e sua Mulher Maravilha, para não citar a meiga Letita Wright, o sempre empolgante Martin Freeman (Marvel, por favor crie o encontro com o Benedict Cumberbatch na Guerra Infinita, nunca te pedi nada) e até o polivalente Andy Serkis em carne e osso e sem CGI (Gollum, King Kong, macaco César, líder supremo Snooke, Balu, etc).

Assim, temos um Pantera Negra que bebe do misticismo do Dr. Estranho, da tecnologia de Tony Stark, do patriotismo do Capitão América, da força vinda de uma poção como o Hulk e de uma ligação com os Deuses como Thor. Finalmente o vingador completo, o qual suspeito terá uma posição importante na Guerra Infinita porvir, por conta da última joia, que não foi achada, mas que o filme dá algumas dicas que possa estar em Wakanda, visto o tom arroxeado adotado no filme em momentos muito específicos – lembrando que as dicas cromáticas têm dado certo até agora. Fica aqui a aposta.

Que esse filme seja o marco para tantos outros que ousem romper as barreiras e provocar maior inclusão e diversidade em Hollywood, sem deixar de lado a reflexão política, por que não, afinal a diversão pode informar e entreter ao mesmo tempo, além de, com o sucesso alcançado, ser o melhor antídoto contra o white-washing.