Os telespectadores que estão acompanhando o remake de Vale Tudo podem não ter notado, mas a nova versão da novela corrigiu um erro grave presente na trama original de 1988 — um deslize jurídico que violava a legislação brasileira sobre herança e sucessão patrimonial.
Logo no primeiro capítulo da nova versão, exibida pela Globo, Maria de Fátima (Bella Campos) vende a casa em que morava com a mãe, Raquel (Taís Araujo), e o avô Salvador (Antonio Pitanga). Diferente da primeira versão, a venda acontece de forma legal, pois o imóvel já estava registrado no nome da neta desde a infância. A correção, feita pela autora Manuela Dias, trouxe mais coerência jurídica à narrativa e evitou a repetição de uma falha grave do roteiro original.
Remake corrige falha da versão original de Vale Tudo
Em 1988, o avô de Maria de Fátima doava a totalidade da casa para a neta, o que seria ilegal segundo a legislação vigente à época — e que continua válida até hoje. Conforme a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 1973, avós não podem doar a totalidade de seus bens aos netos se houver herdeiros necessários, como filhos. A lei prevê que metade do patrimônio deve, obrigatoriamente, ser destinada a esses herdeiros. No caso da novela original, a doação da casa à neta preteria a filha, Raquel, que legalmente deveria ter direito a parte do bem. Um equívoco que, na vida real, poderia ser contestado judicialmente por meio de uma ação para anular a chamada doação inoficiosa.
No remake, Manuela Dias atualizou o roteiro e ofereceu uma justificativa legalmente plausível para a posse do imóvel. Raquel explica, ainda no primeiro capítulo, que a casa foi comprada por Salvador já em nome da neta, quando ela ainda era criança. A decisão teria sido motivada pelo medo de que Rubinho (Julio Andrade), ex-marido da filha, pudesse reivindicar o imóvel em um eventual processo de divórcio. “Meu pai achou melhor, pra ser uma preocupação a menos com negócio de herança. Ele tinha medo de deixar no meu nome e o Rubinho querer alguma parte”, afirma a personagem, reforçando que a casa sempre pertenceu legalmente a Maria de Fátima.
Com a morte de Salvador, Raquel recebe apenas o valor do auxílio-funeral e o saldo do Pasep, já que o pai era servidor público e trabalhava na alfândega. A cena deixa claro que ele faleceu sem bens em seu nome — a casa que pagou a vida inteira já havia sido registrada na neta. Essa escolha narrativa impede que a venda do imóvel por Fátima seja vista como uma ação juridicamente contestável, como teria sido no caso da versão original.
Advogado confirma que mudança no roteiro corrigiu uma falha
Em matéria do colunista Ives Ferro, do Notícias da TV, o advogado Gil Ortuzal confirma que a mudança no roteiro corrige uma falha importante. “Agora, fazendo uma releitura nesse remake, o avô dá a entender que a casa sempre esteve no nome da neta. É uma correção da própria Globo em razão da lei, houve um erro lá atrás”, afirmou. Ele explica que, na prática, não se pode doar a totalidade de um bem a um neto se esse for o único patrimônio do avô. “Na vida real, a filha poderia questionar esta doação inoficiosa em juízo”, completa.
A alteração sutil, porém fundamental, mostra o cuidado da nova versão em atualizar não só os contextos sociais e comportamentais da história, mas também os aspectos legais que sustentam a narrativa. Ao corrigir o deslize do passado, o remake de Vale Tudo reforça seu compromisso com a verossimilhança e a coerência jurídica, sem perder a força dramática que consagrou a obra como um dos maiores clássicos da teledramaturgia brasileira.