Homem-aranha no Aranhaverso é a melhor adaptação fora dos gibis

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A história do Homem-Aranha sempre discutiu a relação do poder com a responsabilidade como fio condutor para o amadurecimento. Não à toa Peter Parker começa com seus 16 anos a trajetória como o amigão da vizinhança (o que fez que a escolha de Tom Holland ficasse ainda mais interessante nos cinemas). Assim, ao se visitar o Aranhaverso, não é de se estranhar que a história trate de diversas formas essa discussão, sendo talvez a adaptação mais fiel ao espírito do personagem, merecedora do Oscar 2019 de melhor adaptação. 

Em Homem-Aranha no Aranhaverso, o espectador acompanha a história de Miles Morales, jovem negro de origem hispânica que vem a ser picado por essa espécie tão comum de aranhas radiotivas, sendo o resto de conhecimento geral – tanto que o próprio filme brinca com isso. Mas nesse cenário já há um Homem-Aranha, que luta contra um portal que abre caminho para outras dimensões, e acaba invocando outras versões do Aranha para esse universo. Talvez esse seja o melhor ponto da animação, que consegue explicar de maneira simples e fácil o multiverso Marvel, justificando de maneira divertida como existe um Aranha, por exemplo, com a cara do Tobey Maguire, um com a cara do Tom Holland e agora Miles que, segundo reza a lenda, foi desenhado inspirado pelo artista Donald Glover, que já chegou a interpretar o próprio Morales.  

Cada Aranha traz debaixo da sua máscara a dor da perda e sua própria trajetória de aprendizado do custo dos incríveis poderes. Assim, a frase clássica “com grandes poderes, vem grandes responsabilidades” ganha camadas em cada diferente contextualização. Para um Homem-Aranha esse binômio poder/responsabilidade pode ser referente ao legado de um familiar, à compreensão de necessidade de uma comunidade ou até mesmo em relação ao seu casamento.  

A universalidade da mensagem é proposital e condutora da narrativa, e ao final dos créditos aparece como uma bela frase de homenagem: “Obrigado a Stan Lee e Steve Dikto (criadores do mascarado) por nos mostrar que não somos os únicos”. O heroísmo aparece em diversos momentos de diferentes maneiras, e é um salto de fé para se fazer a coisa certa em qualquer uma dessas situações, e isso fica clara da dinâmica do time Aranha.  

Não fosse o belo enredo, contado de maneira magistral, a própria forma surpreende. Com um desenho arrojado e gráficos rápidos, o visual parece um encontro de um mangá com uma animação clássica, criando uma linguagem visual única e deslumbrante, com espaço para as onomatopeias clássicas (soc, pow e afins), de modo totalmente integrado com a linguagem escolhida. Não é de surpreender que em diversos momentos apareçam as revistas em quadrinhos, em uma metalinguagem inteligente.    

As dublagens são tão divertidas como a animação, com destaque à Mahershala Ali, presente em dois ganhadores do Oscar de 2019, além do sempre cômico Jake Johnson (o Nick de New Girl), do sombrio Aranha Noir de Nicholas Cage, e da “estréia” de Chris Pine no universo Marvel, após seu trabalho em Mulher Maravilha e Star Trek como um dos Peter Parkers, sem contar o cameo inesperado do saudoso Stan Lee. A trilha sonora, inovadora, segue a etnia do protagonista, com uma bela trilha black com seus momentos hispânicos – quase um personagem do longa.  

Fica claro o porquê Aranhaverso desbancou após quase uma década o império da Disney/Pixar como melhor animação no Oscar de 2019, inovando na técnica de animação, e sendo absolutamente completo como filme, o que não deixa de ser interessante: a Mavel (Sony) desbancando a Disney/Pixar (dona da Marvel), quase a dinâmica dos diversos Aranhas. É a vida imitando a arte.  

À sua maneira cada Aranha honra o manto, homenageado de todas as formas possíveis no longa (inclusive na divertida cena pós créditos, que junta passado e futuro), e cabe à Morales encontrar seu caminho em Homem-Aranha no Aranhaverso, em uma jornada que transcende qualquer encarnação e releitura do personagem e faz justiça à todo legado de Stan Lee. Excelsior.