O público geek tem respondido de forma bem intensa às produções mais voltadas à eles, e consomem avidamente todos os produtos lançados nesse sentido. Foi assim com Game of Thrones e Stranger Things. Visando agradar esse público, a Netflix (e para esses fins, a Amazon também) tem investido cada vez mais em novas produções dessa natureza e o mais recente lançamento é Daybreakers.
Daybreakers é uma série pós apocalíptica, baseada em quadrinhos, na qual uma bomba bio-nuclear explode e transforma em zumbis todos os adultos, com raras exceções, deixando o mundo para os adolescentes e as crianças, e assim Josh, ou “o outro Josh”, se torna o narrador de sua vida pós-bomba, na qual os sobreviventes se juntaram em gangues por afinidades.
O mercado está cheio de séries de zumbis, filmes de futuro distópicos, comédias pastelão e dramas adolescentes, mas algo que consiga reunir tudo isso em um só lugar é inédito, e esse é o grande trunfo de Daybreakers. De alguma forma difícil de explicar, a série mistura diversos elementos estilísticos para criar uma narrativa única, com linguagem visual que não lembra quadrinhos, mas sim videogame em diversos momentos, inovando na quebra da quarta parede, e fazendo intervenções pessoais em flashbacks, como se pausasse um filme, rebobinasse o evento e mudasse a câmera, alertando para algum fato, inclusive em diversos flashbacks, que chegam a ser “sequestrados” por outro personagem-narrador. Essa dinâmica eleva a metalinguagem ao estado da arte, de forma leve, inovadora e divertida.
Não fosse a narrativa surpreendente e edição de fotografia caprichada, o enredo é bem desenvolvido, ainda que previsível na maior parte do tempo, sendo que acaba tendo o reforço de dezenas de referências nerds, sejam elas originárias dos quadrinhos, do cinema, da televisão ou mesmo do videogame. As referências são tantas que a série nem faz questão de esconder, então em determinado momento um dos protagonistas afirma que eles não estão em Walking Dead. Alguns easter eggs em forma de referências: Gremlins, esqueceram de mim, Mad Max, Senhor do Anéis, Musashi, O Senhor das Moscas, Supernatural, Pokemon, Zumbilândia (aliás, todos os filmes e séries de zumbis) e a melhor de todas, Curtindo a Vida Adoidado. O clássico juvenil é homenageado tendo seu adolescente mor, Ferris Buller, transformado na figura do diretor Burr, com algumas cenas filmadas como no longa de 1986. Ver Matthew Broderick no papel de um diretor coxinha é simplesmente delicioso, repetindo a fórmula de usar atores tarimbados em papeis coadjuvantes.
Além de Broderick, o elenco todos está muito bem. Embora o protagonista seja Colin Ford, muito bem no papel, chama a atenção a atuação da jovem Alyvia Alyn Lind, que faz uma garotinha genial com moral duvidosa, e acaba encantando com uma performance bem rica e surpreendente.
Em seus 10 episódios de estreia, a primeira temporada de Daybreakers vale muito ser vista, por ser leve, divertida, interessante e ainda trazer de lambuja uma discussão interessante sobre a eterna busca por pertencimento, por achar seu lugar no mundo, seja em uma cafeteria lotada de adolescentes ou seja em um mundo distópico de animais mutantes, adolescentes bombados que viram muito Mad Max e uma recriação bizarra de O Senhor das Moscas.