Music é como a arte deveria ser

Obra autoral de Sia surpreende e encanta com linguagem única e envolvente

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Acontecimento normal no mundo de Hollywood é encontrar bons cantores que resolvem em determinado ponto atuar, e saem de suas carreiras nos palcos e turnês para as telas. Jared Leto, Timberlake, vários exemplos podem ser citados. Contudo é extremamente raro ver uma cantora migrar para a produção, direção e roteirização de um filme. E esse é o traço único que caracteriza Music, obra extremamente autoral fruto de um talento e visão únicas de SIA, cantora e letrista de muito sucesso.

Music conta a história da personagem homônima, portadora de necessidades especiais por conta de seu autismo, sempre cuidada por sua avó e pela comunidade ao redor, até que o destino intercede e sua irmã mais velha, Zu, precisa cuidar dela, apesar de seu histórico de problemas com abusos de substâncias, que de certa forma se confunde com a trajetória da cantora. Assim, o enredo gira em torno das dores e alegrias de um novo aprendizado para ambas as irmãs, cada uma superando sua própria luta, bem como a comunidade que as cerca e as acolheu. Um filme que fala sobre as dificuldades da vida, e que poderia muito bem ser um filme amargo e escuro, mas não é, muito pelo contrário.

Se o enredo de superação, e até mesmo de problemas mentais, não é novidade, a forma como a questão é abordada é extremamente inovadora, pois tem diversos interlúdios no qual é apresentada a visão de Music sobre cada acontecimento e cada experiência. Assim, como um caleidoscópio de cores e formas, a realidade é transportada para um cenário lúdico, colorido e nada óbvio, como um videoclipe. Essa linguagem escolhida, obviamente fruto da carreira de SIA, confere à obra um caráter único, que consegue se diferenciar mesmo daqueles outros filmes que se inspiram na linguagem MTV para desenhar seus enredos, como Moulin Rouge e Rei do Show. Em Music, não se trata de inspiração, e sim de videoclipes em sí mesmos, tanto que apresentam 12 novas canções da compositora, inclusive aquela que viria a se tornar um sucesso imediato, 1+1.

Como o mundo cinematográfico adora uma polêmica, o fato de a personagem central ser interpretada por uma atriz sem autismo causou queixas e reclamações a ponto da autora ter se manifestado contando do estresse causado aos atores com autismo para um papel central nos testes das filmagens, sendo que a escolhida, Maddie Ziegler, é uma velha conhecida de quem acompanha a trajetória da cantora. A menininha de peruca dos clipes de SIA cresceu e consolidou sua atuação em outro formato, e passa a ser reconhecível nos clipes dentro do filme, repetindo a parceria de sucesso.

Music passou razoavelmente desapercebido de público e crítica, e é uma grande pena. Inovador em sua linguagem, sensível em sua mensagem e tão autoral como possível, o filme merecia melhor sorte, até por discutir a inclusão com lirismo, mas sem romantizar nem esconder as dificuldades em torno da questão. Talvez no momento de maior pobreza criativa de Hollywood, com um Oscar 2022 selecionando entre seus finalistas que não seriam sequer cotados em outros anos, Music é um sopro de originalidade em um ambiente saturado de velhas ideias recicladas, e certamente se mostra muito superior à obras como No Ritmo do Coração, Não Olhe para Cima (que curiosamente parece versar sobre deficiência mental também) e infinitas vezes melhor que o chato, arrastado e nada original Amor, Sublime Amor. Bravo, SIA!!!