A história geralmente é contada pelos vencedores. Afinal, figurativa ou literalmente, foram eles que sobreviveram para contá-la. E Ray Croc é um desses vencedores, sendo que até hoje a rede McDonald´s celebra no dia do seu aniversário o “Dia do Fundador”, de forma que não é coincidência nenhuma o filme se chamar “O Fundador” em seu título original, desvirtuado para “Fome de Poder em Português”, que no mínimo já entrega o viés do filme.
A narrativa toda se dá pela visão de Ray, em uma interpretação brilhante e convincente de Michael Keaton, começando nos seus tempos de vendedor de máquinas de milk-shakes, que batalhava para vender uma unidade até que começou a receber diversas encomendas de um mesmo cliente, uma lanchonete de dois irmãos em um modelo diferente. Típico empreendedor frustrado da classe média, Ray enxerga na ampliação da rede sua grande oportunidade de ser alguém na vida. É um perfeito retrato do “American Way of Life” em sua essência.
Por sua vez os irmãos, escaldados com tentativas anteriores, colocam diversos obstáculos para tal plano, e a trajetória de convincimento, verdadeira lição empresarial, aliada aos entraves práticos, financeiros e de planejamento dão origem ao modelo de negócio de franquia até hoje explorado pelo McDonalds, e que foi o modelo padrão para esse tipo de negócio em diversos países, incluindo o Brasil.
Sob a ótica meramente cinematográfica, se trata de um filme interessante, consistente e bem desenvolvido, com roteiro bem acabado, bons atores e bons personagens. Contudo, entendo muito perigoso um filme que se dispõe a contar uma história de personalidades reais e de empreendimentos reais, recheia a história com fatos verídicos, inclusive termina contando que fim cada um teve, mas preenche o tempo de tela com uma visão absolutamente pessoal da história. No caso de “O Código DaVinci”, todos sabem que se trata de uma ficção, mas em filmes como “A Grande Aposta” e “Fome de Poder”, o expectador tende a assimilar tudo como verdade absoluta, mesmo que traga os dizeres “baseados em fatos reais”.
No caso o diretor John Lee Hancock colore os personages com tons que bem entende. Na visão do diretor, os irmãos Dick e Mac eram pessoas simples e boas, essencialmente. E Ray, frustrado com insucessos passados, é retratado como alguém inescrupuloso e que não tinha problema em passar por cima dos outros, praticamente tendo roubado a idéia do McDonalds e transformado em algo seu. Verdade que ele moldou a imagem que o McDonalds enquanto corporação passou a ter, mas o maniqueísmo com o qual foi pintada a situação foi um pouco preocupante. Claramente assumiu-se somente um lado da história.
Ainda assim, um belíssimo filme, que transcende o próprio enredo e ajuda o expectador a entender muito mais do mundo no qual está inserido, e é uma lição sobre contratos e negociações que todo advogado deveria assistir, valendo ainda sob o viés motivacional da busca do sonho e dos preços que acabam sendo pagos nessa busca.