Vingadores: Ultimato foi o mais grandioso projeto da Marvel. Ou melhor, havia sido até a divulgação da sinopse e dos boatos de Homem Aranha: Sem volta para casa, longa que encerra a trilogia do Homem Aranha de Tom Holland para o Universo Cinematográfico Marvel. Isso porque a grandiloquência de uma batalha para salvar metade do universo em nada se compara a um filme do Homem Aranha, comprovadamente o maior herói dos quadrinhos. O maior ou os três maiores heróis dos quadrinhos? Sim, necessário mencionar a aranha gigante na sala. É apenas Tom Holland? Três versões de Tom? Ou a retomada de todos os intérpretes modernos do cabeça de teia? Tarefa mais hercúlea do que a do Dr. Estranho em tentar consertar a linha do tempo, mas afinal, com grandes poderes vem grandes responsabilidades e a aranha será deixada na sala a tecer sua teia em uma tentativa bem intencionada de preservar as surpresas, presenças e ausências para o momento devido, se possível for, e pelo tempo que for possível.
Para quem achou absurdo comparar um filme ao outro, uma explicação aos recém-chegados: Thor é pedante e fala difícil, Capitão América é fruto de propaganda americana exaustiva e o Homem-de-Ferro é muito mala nos quadrinhos, ainda que a Marvel tenha conseguido dar uma bela revitalizada nos heróis para as telas. Mas o Homem Aranha é o queridinho de todos, beirando a unanimidade, tanto que para muitos é a porta de entrada no universo dos quadrinhos, e às vezes, caso presente, também a porta de saída. Impossível não se identificar com um garoto que se descobre cheio de possibilidades e novas habilidades em um mundo a conquistar: a metáfora perfeita, e nem Jung pensou em um arquétipo melhor, no mais humano dos super-heróis. Então quem busca o Aranha nos cinemas vem geralmente carregado de histórias e expectativas, o que gerou inclusive acalorados debates sobre quem seria o melhor Aranha.
Assim, muito se esperava de um terceiro filme, especialmente após uma animação roubar o título de melhor adaptação do Homem-Aranha para as telas. Afinal, não foi à toa que o Aranhaverso levou até Oscar. E parece que tudo estava na cabeça da Sony há um tempão. E como a Marvel não dá ponto sem nó, brincou com a expectativa do público com um falso multiverso trazido pelo Mysterio em seu segundo longa Longe de Casa, para depois jogar lenha na fogueira com Wandavision e Loki. E a hype só foi crescendo com os rumores de cada participação especial, sendo posteriormente confirmadas com cada vilão, a seu tempo, anunciando sua volta: quase um sexteto sinistro. Cada trailer, cada spot, cada divulgação deixava claro que a Marvel traria para os cinemas sua maior obra ou seu mais retumbante fracasso. Parênteses: a provocação com a expectativa de fracasso da concorrência é tamanha que sobrou até para Flashpoint.
Enredo conhecido por todos. Parker quer voltar à anonimidade, um feitiço do Estranho dá errado e os caras malvados todos de volta. Tá. Mas como eles voltariam depois de mais ou menos tempo? Talvez aí resida a grande fortaleza do longa, em seus vilões e em sua interação orgânica. O melhor do que foi apresentado originalmente foi preservado, como o horripilante Duende do maravilhoso Dafoe. Mas também houve correções, como, finalmente, o aproveitamento do fantástico Jamie Foxx, agora repaginado, amarelo e com cara de Electo e não mais parecendo um smurf brilhante acéfalo. O melhor dos melhores vilões e dos melhores intérpretes, para não mencionar o complexo Octopus de Alfred Molina. Nada contra os demais, mas foi difícil comparar com esses aí, afinal a risada do Duende continua de gelar a alma, 20 anos depois, brincando com a máscara do original e ao final com o visual da sua segunda encarnação. Não podia ser outro vilão a protagonizar a maior luta de vida do Aranha de Holland, que lutava não somente com o vilão, mas contra si mesmo.
E por falar em Tom Holland, ele é o Aranha desde a guerra civil de 2016, mas é Sem Volta para Casa que transforma ele em Homem, e o público pode, enfim, encarar a gênese do Homem-Aranha, com suas dores e superações. Afinal, não é a picada radioativa que o faz ser um herói, é a capacidade de se erguer da dor, e ainda assim querer fazer o bem, e se até então Peter Parker era um produto fabricado por Tony Stark, finalmente ele rompe suas amarras e se torna um homem por sí mesmo, o que o lindo uniforme vintage do final representa com maestria.
A ousadia de trazer diversos inimigos impossíveis carrega junto a necessária carga dramática que aos poucos foi sendo introduzida no cânone do personagem: de jovem deslumbrado enfrentando o Cap à dor da perda de ver seu mentor se sacrificar, até que Mysterio traz a dor e a perda para seu campo íntimo e pessoal, e é no intimismo que o enredo floresce, na busca por sua verdade e em que homem quer ser. Assim, as piadas, sempre bem-vindas no MCU, parecem esvanecer aos poucos, na menos divertida interpretação de Tom, que finalmente incorpora o peso das palavras que são o bordão do personagem.
Inegável falar dos fan services e easter eggs do longa. Parece que a Marvel sentiu o gostinho com Ultimato e resolveu não passar vontade, presenteando os fãs na verdadeira retomada do Blip da vida real, enchendo cinemas de vida e expectativa. Sim, Sem Volta para Casa precisa ser, primeiro, assistido nos cinemas com um belo balde de pipoca. Só assim para encarar todas as emoções de quase duas horas e meia de projeção que passam em um estalar de dedos.
Em um filme praticamente à prova de falhas, a Marvel faz o impossível ao criar um filme aguardando por quase 20 anos e por isso ainda mais épico do que Ultimato e postulante ao título de seu melhor filme, com a humildade de consertar as falhas do passado e apaziguar ânimos, conseguindo agradar às diversas gerações de fãs e mostrando que não são necessários dezenas de personagens para se criar uma obra prima. Basta seu maior herói, o bom e velho amigão da vizinhança, o espetacular Homem Aranha. Bravo!