Com 70 anos de carreira, a cantora e brasileiríssima Elza Soares foi eleita pela BBC de Londres a “cantora do Milênio”. Como diz uma das músicas escritas por Chico Buarque especialmente para ela, “Elza é dura na queda”. E não é para menos: a cantora no alto dos seus 90 anos lança agora um novo trabalho em parceria com o rapper Renegado. Os dois iniciaram uma parceria gravando uma música chamada “Negão Nega”. Desse encontro musical acabou surgindo algumas lives entre os dois que foram amadurecendo cada vez mais até se tornar um show em formato de live.
Durante a quarentena, os dois artistas se juntaram para levar seus principais clássicos para um único show. E daí nasce o show ‘Onda Negra’, que foi gravado no palco do Teatro Municipal de São Paulo. O sucesso foi tão estrondoso que, desse show acabou nascendo um registro audiovisual do show que acabou virando uma turnê que os dois apostam para este ano de 2021 até o mês de setembro. A transmissão virtual foi o modo pensado para o lançamento – ocorrido no Municipal – entre os dois artistas, para levar o trabalho ao público da forma mais segura em meio a pandemia. Entretanto, com a flexibilização – Elza inclusive já foi vacinada – essa turnê já vai para estrada e, em julho, já tem agendado o seu primeiro show presencial, com participações em festivais já negociados, sempre atento as mudanças que possam ocorrer em função dos órgãos reguladores da pandemia.
Onda negra: um tsunami de amor
O show se chama Onda Negra e celebra o orgulho negro. O repertório toca em temas urgentes como a luta antirracista, a violência sofrida contra as mulheres e contra a homofobia. Elza se reinventa novamente durante esse desafiador ano pandêmico para apresentar mais um espetáculo vanguardista, incisivo, e também emocionante ao lado do seu mais novo afilhado musical, o cantor Renegado. Esse show nasce do movimento #ondanegra. Os dois, inclusive já gravaram também o clássico Divino Maravilhoso – dos ícones Gilberto Gil e Caetano Veloso – música tema da série da Globo Amor e Sorte.
Além dos protestos contra o racismo estrutural, a violência doméstica e a homofobia, o repertório também versa sobre a preservação dos povos indígenas, quilombolas e a preservação da natureza. Elza e Renegado celebram neste novo trabalho o amor em canções clássicas que acalentam a alma, tais como Espumas ao Vento e Meu Guri, além de protestar em clássicos como A Carne e Maria de Vila Matilde. Existem também clássicos atemporais no repertório como Malandro, Mulher do Fim do Mundo, Volta por Cima, Juízo Final, Black Star, entre outros sucessos, misturando samba e rap, rock e MPB, capoeira e ritmos afro-brasileiros destacando-se por manter o DNA musical e vanguardista de Elza.
O TV Prime também conversou com a artista e traz para o leitor um pouco mais da intimidade deste ícone do samba para vocês.
TV PRIME: Estamos vivendo um momento em que ainda é perceptível a falta de educação e, muitas vezes, a exacerbação do ódio. O que você poderia dizer hoje sobre isso no alto dos seus 90 anos?
Elza: Fico brigando muito, sempre pedindo para que as pessoas se conscientizem, que percebam que falta mais amor e carinho. Percebo que não temos mais respeito e vivemos em um lugar onde a saúde também não tem nenhum valor. Vejo a mulher lutando pelo seu lugar de respeito e dignidade. E eu fico aí, no meio dessa luta toda falando desse ‘planeta fome’ que a gente vive.
TV PRIME: Já que você tocou nesse nome – Planeta Fome – um trabalho que fala muito do feminicídio e muitas outras questões sociais, conte como foi viver uma geração que ainda não sabia debater sobre isso e nem tinha amparo legal como a Lei Maria da Penha.
Elza: Acho que tinha a lei Elza Soares e ninguém sabia! (risos) Agora a Lei Maria da Penha esta aí para todo mundo, para todas as mulheres. O mundo não existe sem a mulher. E mesmo assim ela ainda precisa ficar provando isso a cada minuto, a cada instante, e eu continuo achando isso um horror. É por isso que nos meus shows grito muito por isso: mulher, você é mulher”.
TV PRIME: Que momentos especiais da sua carreira você recordaria com os leitores do TV PRIME?
Elza: São 84 apresentações de discos. Hoje, por exemplo, me recordo com carinho de regravações como ‘Meu Guri’, com Chico Buarque de Holanda, além de Flores Horizontais, com José Miguel Wisnik.
TV PRIME: O que a Elza ainda quer fazer?
Elza: O “ainda” para mim não existe! Quero fazer muita coisa, estou viva! E enquanto estiver viva quero buscar novos horizontes.
TV PRIME: Viver de arte no Brasil está muito difícil. Que conselho você pode dar para os leitores do TV PRIME que desejam viver de arte?
Elza: Por favor, não desista, siga em frente! Se eu tivesse desistido não estaria aqui! Acho que o negócio é insistir e ir pra frente mesmo, sem nenhum arrependimento. Vai embora e não olha pra trás. Olha para frente que o futuro esta aí.