Séries de ficção científica são sempre muito complicadas de se analisar. Basear as premissas que darão suporte a toda uma narrativa é uma experiência tortuosa, e por vezes falha, e por isso muitas séries de ficção se perdem pelo caminho, mudam suas rotas, desistem pelo meio do caminho, ou acabam criando finais tão complexos que fogem à compressão do seu público alvo.
Não é o caso de Dark. Confusa e de difícil compreensão, o seriado alemão de três temporadas da Netflix dá um final relativamente simples ao labirinto de sua narrativa. Quem começa com a complexidade do Gato de schrödinger, termina com a simplicidade da Lamina de Occam. O final é o começo e o começo é o final.
Essa frase vai fazer sentido para quem viu a série. Afinal, logo no seu episódio de Debut, Dark faz com que um menino suma do tempo atual e retome sua existência 33 anos antes, vindo a se tornar pai de um de seus colegas. Quem acha essa situação esdrúxula ou complexa, segue o aviso: Dark não é para você. A série explora em paralelo as tramas de Jonas e Martha, em uma busca que ignoram a princípio, mas que visa preservar aquilo que lhes é mais desejado.
Afinal o homem pode ser livre para fazer o que quer, mas não é livre para querer o que quer. Se o fazer é livre, o querer é escravo de condições mais fortes. Essas jornadas acabam por torcer o espaço e o tempo de uma forma que talvez nem Einsten, ou melhor, só ele, possa ter pensado. De alemão para alemão, porque fora da física quântica, não tem uma só pessoa que não se perca com as relações familiares, os vínculos e os laços que unem, desfazem e destroem personagens. Nem em um seriado espírita a morte foi tão insignificante.
Ao trabalhar o espaço-tempo de maneira ousada, Dark flerta com o ridículo algumas vezes (como a mãe que é filha de sua mães), gerando memes e piadas que se repetem tanto quanto o nó, ora combatido, ora preservado pelos personagens. Protagonismo e insignificância narrativa se tornam tão fluídos como o tempo em sí, e seja para apreciar ou não, Dark acaba por marcar seu papel na história da ficção ao lado de obras que trataram sobre esse volúvel personagem e que entraram na imaginação popular, como De Volta Para o Futuro, Billy e Ted, A Máquina do Tempo, Flash, Efeito Borboleta, Lost e mais recentemente Vingadores Ultimato. E o que é melhor, com uma abordagem extremamente original.
Piadas e comparações à parte, Dark é uma experiência em sí mesmo, e poucas séries geraram tamanha curiosidade e até um mórbido desejo de se refazer a jornada, que não necessariamente se apreciou, tantos foram os casos que quiseram rever do zero o que aconteceu. Do zero não, da origem. Origem da série, não do nó – que fique bem claro. A complexidade da trama foi tamanha que surgiram canais para explicar cada episódio e seus desenrolares, além das teorias, sempre elas.
E não bastasse a criatividade dantesca dos roteiristas, tudo é falado em alemão, exigindo uma atenção sobrenatural de quem se arrisca pela desconhecida cidadezinha de Widen, na Floresta Negra – berço de alguns dos contos de Grimm. Séries em português e espanhol podem ser mais ou menos compreendidas quando se deixa a tela de lado, e porque não, para alguns até mesmo em inglês, mas alemão é uma língua pouco falada, e torna o desafio digno de fãs obstinados (ou masoquistas).
Por fim, criado o mundo como foi, Dark ousa, inova e consegue achar um final, que se não é unânime (quando é que um final já foi?) é compatível com o universo, a expectativa e a jornada dos personagens, se tornando uma inesperada e muito bem sucedida peça de ficção dos sombrios tempos atuais. Ou seriam passados?